janeiro 06, 2010

** Tarde Demais **


Um carro passou e ela não percebeu. O vento soprou , a folha mexeu , seus cabelos balançaram, e ela continuou olhando para lá.
O dia estava quente, mas ela não esquentou.
Suas pernas balançavam automáticas, seus dedos cruzavam-se mecanicamente, seus lábios mordiscavam a procura da dor. Outra que fosse maior que aquela que sentia neste momento.
Uma música tocou ali bem perto, e ela ouviu lá bem longe, e lembrou de tudo que não queria lembrar, e riu de tudo que não queria rir, e esqueceu de remoer o que deveria ser feito mas ficou pra depois…

Um dia acabou e outro começou, ela mais uma vez levantou com pressa, trançou os cabelos, escovou os dentes, mordeu um pedaço de pão, agarrou a mochila e saiu correndo.
No ônibus lotado um fone no ouvido, na rua apertada um passo apressado, um esbarrão em alguém do lado, um tropeção em alguém deitado, um pisão no pé de alguém mais alto, e o ponteiro girava enlouquecidamente. E o telefone , sem descanso, não parava de chamá-la.
No almoço, uma garfada e uma leitura , uma golada e um cálculo. Não havia tempo para pensar.
Não havia tempo para querer.
Não havia tempo para se olhar.
Escureceu de novo. Metro lotado, revista na mão, chiclé na boca, passo apertado. Banho quente, banho rápido. Janta morna, janta apressada. O corpo dóia, mas não dava tempo de pensar na dor, porque outra vez sem sonhar, adormeceu.
E quando esta noite acabou e novamente outro dia começou foi tudo diferente.
As pessoas dentro da cozinha não deixavam ela passar. A mochila dela não estava lá. Eram tantas vozes , eram tantos soluços, eram tantos choros que não dava para entender. O sono estava misturado a confusão que havia se generalizado.
O fone não estava com ela, pois não era mais capaz de ouvir. Não era capaz de acreditar no que estava acontecendo. Ela queria seu dia normal, com toda a sua pressa, com toda sua correria, com toda sua agitação. Ela queria não pensar em como seria agora. Porque aquela que ela tanto amava havia partido sem dar um tchau pelo menos? Porque não havia dito que talvez iria? Porque não um beijo? Porque não um abraço? Porque tudo tão rápido?
E ela sentou na calçada, e suas pernas começaram a balançaram utomáticas. E ela lembrou de algumas vezes ter ouvido um boa noite que ficou sem resposta, o computador na sua frente era atraente demais, tinham tantas coisas legais, era tanta concentração e conversas, não deu para responder … lembrou que ela havia falado alguma coisa de médico, mas não deu tempo de parar para prestar atenção … lembrou de um beijo que ganhou com 9 anos de idade, por ter sido a melhor aluna … depois ela ficou grande demais, e moça demais, e adulta demais, e beijar ficou feio demais, e era pagar mico demais …lembrou do abraço do último natal … lembrou que muitas e muitas vezes ela a esperou acordada para chegar de madrugada, a festa era boa, o sono era maior, e o "muito obrigado" esquecia de aparecer … de alguns conselhos .. de muitos sorrisos dados e não retribuidos.
E como ela desejou tudo de volta, e pensou que se pudesse voltar atrás tudo seria diferente, porque agora que ela havia percebido como era importante sua presença sua mãe havia partido?
Porque agora que ela queria deitar ao seu lado no sofá para verem aquele filme juntas, ela encontrava-se dormindo eternamente?
E o tempo perdeu o sentido … e o tempo perdeu o sabor.
A pressa já não existia …. só havia tristeza e dor.
Um carro passou e ela não percebeu … ela só queria voltar atrás, mas agora era tarde demais.

6 comentários: